terça-feira, maio 10, 2016

Em quantos dias se cria o mundo ?
Foi numa década de descobertas. A terminar um estágio em Londres, as notícias do País chegavam-me distantes e só a custo conseguiam ultrapassar a névoa emocional em que a aprendizagem da Neurologia me entorpecia.
A inevitável entrada na realidade aconteceu só depois da aterragem do regresso, e terá sido decerto bem menos suave.
As barricadas e os controlos de identificação prolongaram ao infinito a viagem do aeroporto até Coimbra. Mesmo assim insuficiente para tentar interiorizar o que me esperava e o que de mim seria exigido.
Com a ponte de Santa Clara já à vista, a última barricada. Por um instante os olhos procuraram o refúgio intemporal da torre. Percorreram depois a multidão, algo indistinta à luz de uma madrugada que se adivinhava quente como foram todas as de fins de julho de 75. Que ocupava a estrada, num apelo à nova realidade. Lá estavam de facto alguns colegas e amigos de outras ( ou seria a mesma?) luta(s). Do luto académico, da greve aos exames. Até dos piquetes de greve. O problema é que também lá estavam os outros em feliz e inimaginável confraternização. Os medrosos e os oportunistas. Os profissionais e os teóricos. Os sonhadores e os medíocres. Os da União Nacional e os anarquistas...
Percebi como era fácil, para muitos, escolher o lado da vitória consumada mesmo que à revelia do que até então defendiam. O prazer de uma liberdade ansiada diluiasse-me numa aprendizagem custosa da natureza humana.
E foi trauteando mentalmente
“Oh my name it is nothin'
My age it means less
The country I come from ...
(sempre Dylan, tão presente como um evangelho) que me dei ao prazer sádico e oportunista de lhe modificar a letra do último verso :
“with God in our side we”ll start the next war” .
Com esta falta de confiança nos homens e esta canção amarga na garganta subi a colina acostumada de acesso a uma casa e a uma cidade que já quase desconhecia.
Foi pouco depois que O conheci pessoalmente. ( E se uso aqui o O maiúsculo tal não se deve a qualquer endeusamento mas sim a uma singela homenagem. Era assim que nos seus livros se referia ao próprio Pai – o biológico, simples, sensato, emergência natural, telúrica diria ele, da própria aldeia de penedos, urzes e torgas - e não outros pais mais colectivos e divinos em que não acreditava).
Essa parte de uma convivência que nunca poderia ser suficiente, as histórias e as palavras, mas sobretudo a sua influencia em mim contarei com a fidelidade que aprendi, se tal se proporcionar e se a tanto me ajudar a memória e a emoção.
Começamos apenas com 3 coisas em comum; a medicina, um amigo (homónimo no nome e conterrâneo no nascimento) e claro a caça...

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