quarta-feira, janeiro 17, 2007

Uma Caçada ao Patos

CAÇADA AOS PATOS


O sol não emergira ainda, mal se adivinhando, por uma claridade difusa e fria o seu futuro trajecto. Do outro lado, num escuro impenetrável, o ruido inconfundível da marcha dos cavalos. Que só a curta distancia se materializam com o seu volume e o cheiro a suor e couro.
O esforço, já difícil, pé no estribo seguida daquela sensação de insegurança e excitação mas o corpo moldando-se quase atávicamente á sela e ao movimento.
Os primeiros passos, ainda em terra firme, em simbiose, guiados um pelo instinto outro pela confiança. Pouco depois o espelho de água, reflectindo as estrelas e a claridade difusa. E a modificação do som dos passos: o chapinhar esforçado dos cascos vencendo a lama, a água e a distancia. Os juncos altos em ilhas cada vez mais cerradas são contornados laboriosamente enquanto possível. O Hugo á nossa frente, vai desviando e liderando o pequeno grupo. Agora as ilhas de junto tranformam-se num imenso e negro plasma que vamos atravessando e que quase nos arranca da sela.
Pouco a pouco o pantano vai acordando. Primeiro um rápido e impreciso bater de asas de algo que levanta para logo se esconder. Depois um canto tímido quase envergonhado vai ganhando vulto e companhia até se tornar uma sinfonia imperfeita que nos envolve num abraço de vida.
Adivinha-se agora o nascer do sol por uma cor mais vermelha e por um arrepio de frio que atravessa o ar.
O cavalo mantem-se no seu ritmo irregular, quase dançando ao som da tal sinfonia imperfeita. Fecho os olhos tentando perceber se é sonho, ou mesmo tentando não acordar nem sequer entender.
A opressão no peito, agora benigna, apaga todas as outras de um passado muito próximo.
O ganso! O cantar do ganso...Ultrapassa no seu tom roufenho e algo ridículo todas as palavras, todas as dúvidas e todas as questões. Enquanto o primeiro raio de sol descobre uma lagrima no canto do olho.... Que com ou sem sonho, com ou sem dúvidas, medos ou perguntas o coração do pantano bate pelo meu, o seu som ritmiza-se ao sabor da paz, da tal sinfonia que de tão melódica se fez imperfeita.
Atravessamos agora uma vasta extensão de água, sem limites, sem obstáculos, sem luzes nem sombras.
E escuta-se o primeiro tiro.