terça-feira, outubro 06, 2009

Tributos

Há certas obrigações que se pagam com alguma revolta. Vide o IRS no meio deste continuado desbragamento fiscal. Outros com indiferença como uma portagem. Ainda alguns com gosto, como o tomar conta de um amigo. Mas dei comigo ontem, feriado, a comprar queijo magro, feijão verde, formas luso...com prazer. Só depois percebi que estava a pagar o tributo á minha liberdade.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Aos dezassete anos acabados de fazer

Viajava-se numa linha aérea canadiana, hoje inexistente, até uma ilha mais pequena e seca que tinha por despojo de guerra uma extensa pista. Depois dormia-se num clube com asas, rádio e atlântico. O serão foi passado no cinema dos bombeiros a ver um filme já nessa altura antigo mas que a memória retém: Barrabás.
No dia seguinte, com alguma sorte, apanhava-se um pequeno avião que mal suportava o peso de um piloto obeso quanto mais dos seis passageiros que o podiam acompanhar desde que não levassem muita bagagem. Aterrava-se depois numa pista de pasto, não antes de uma passagem rasante para afastar as vacas que aí ruminavam placidamente, e atingia-se a ilha maior e mais verde.
Chegou com os olhos deslumbrados e o cabelo ainda rapado pela praxe implacável. No tempo dos Beatles e aos 17 anos este débito capilar parecia inultrapassável.
No entanto, numa das numerosas festas que aproveitavam o natal e o fim de ano, conheceu-a.
Começou a perceber, surpreendido, que para o outro género pouco importava o cabelo de presidiário ou o sotaque diferente e que havia uma linguagem eloquente e universal que passava apenas pelo olhar. E que era possível uma relação que dentro de nós conciliava o desejo físico com aquilo que sonhamos. E o amor brotou com a força e arrebatamento da vegetação que lá existe. Límpido, inconsequente e puro como a água de uma lagoa.
As férias passaram e o regresso pelo mesmo, agora longo, caminho. Antes disso entendeu que o a linguagem dos olhos podia revelar ao mesmo tempo dor da despedida, paixão, satisfação e esperança. Só a ultima verdadeiramente infundada.
Voltou a vê-la esta semana. Muitos anos e muitas vidas passados. Mas o olhar lá estava. Sem recriminações nem esperança. Sem fogo. Mas com o reflexo das suas memórias e um sonho fugaz do que poderia ter sido.

100 metros



separam a porta do inferno da porta do paraíso