terça-feira, julho 28, 2009

Modern Times

Há seres, porventura mais bafejados pela natureza, em que os dentes vão refazendo o seu desgaste. Noutros ainda renovam-se consoante as necessidades. Como não é esse o caso dos humanos surgiram as M... Clinic (s).
Os meus dentes e uma dessas clínicas cruzaram-se inexoravelmente no último Sábado. Habituado que estou a trabalhar em saúde há muitos anos, e aos cenários montados por muitos dos meus colegas na medicina privada, não me deixei impressionar especialmente pela recepção nem pelo pager- vibrador posto á minha disposição. Nem pela organização e planeamento que me levaram sucessivamente aos diversos andares. Um leve e indefinido descontentamento assaltou-me quando vi que se podia também recorrer a SPA, depilação, manicura etc. Mas muito breve já que, crédulo como sempre, pensei que estava a ficar velho e ultrapassado e que essa associação até podia ser benéfica para os doentes.
Um RX panorâmico e 2 viagens no elevador levaram-me pela primeira vez ao médico dentista. O assistente. Era apenas uma avaliação preliminar já que o “chefe” fazia questão de me ver pessoalmente. Tivemos uma breve conversa. Contei-lhe que os doentes eram muitas vezes vistos pelos meus assistentes e que o meu papel de confirmação era na maioria dos casos redundante. Ele fazia questão, repetiu.

Um TAC e mais 2 viagens de elevador. Algumas explicações técnicas do assistente. E entra o “boss”. “É um caso banal” e o meu coração agradeceu. Esperava então uma explicação técnica. O porquê de uma solução ou de outra. “ Esta são 15 mil e a outra são 20 mil”.
Dei comigo a sentir como estou ultrapassado. E como teria sido a minha vida na actual era moderna.

Essa é uma migraine vulgar de 80 euros. Tem sorte porque se fosse migraine complicada seriam 120. Olhe, tem um Parkinson clássico de 10 mil. Desde a fase de “lua de mel” terapêutica até á fase terminal. Nessa altura poderemos discutir a hipótese de implante de estimulador se não estiver demênciado e tiver 50 mil. Se não talvez a assistência social pague o duodopa.
Lamento informa-la que tem uma miastenia gravis de 100 000 euros e.... E os olhos da Nilza aparecem-me de repente com uma nitidez que me assustou. A criança que vi transformar-se em mulher. As repetidas entradas, em crise, na reanimação (actualmente cuidados intensivos). As dúvidas, preocupações e noites passadas á tua cabeceira. Os teus olhos que comunicavam comigo por cima do tubo que te enchia a traqueia. (Quanto valeriam hoje os patos donalds que te levava?) A esperança da nova terapêutica (hoje com mais de 30 anos) que te tirou dessas visitas constantes á respiração assistida. Mas que te matou com as suas complicações que impotentemente não consegui debelar. Justamente uma semana depois de me apresentares o teu noivo e os projectos para a nova vida. Perguntaste-me se podias ter filhos lembras-te?
Hoje ainda sobreviverias. Terias apenas uma miastenia de 100 mil euros! Mas sobreviveria eu sem a recordação do teu olhar ?

sábado, julho 18, 2009

A antecipação

É talvez o que melhor traduz o nosso estado de humor de momento. Dêem-lhe a perspectiva de um momento bom e o prazer começa na nossa imaginação. Mas juntem-lhe um humor menos feliz e a mesma perspectiva antecipa-se em complicações e consequencias.

quinta-feira, julho 16, 2009

Uma questão de calibre

Longe vai o tempo em que viajava para a caça com duas automáticas de calibre 12, cada um dos 5 tiros que comportava carregado com 36 gramas de chumbo. Ao fim de umas centenas de tiros, violentos e ensurdecedores, parava. Mais por uma questão de desconforto que por satisfação.
Fui então progressivamente aprendendo o prazer dos pequenos calibres. Ultrapassei a desconfiança inicial do calibre 20 e dos 24 gr de chumbo. Em seguida seduziu-me o cartucho pequenino da calibre 28 com os seus 19 gramas. Inicío agora uma 410 com apenas 14 gramas.
Vivia eu na minha certeza de que o tamanho não interessava quando alguém aqui na net, numa das conversas que temos com regularidade nos últimos dias, me alertou para as diferenças da caça ao urso. Não interessa a altura dele. Até pode ser pequenino! Pode mesmo aparecer só muito ocasionalmente. Na maior parte das vezes será até prazeiroso, inócuo e inconsequente. Mas quando chega a apreciação do calibre começam os problemas técnicos. Não há cartucheira, nem XL, que o acomode.
Não sei se tenha pena ou inveja do urso. Apenas abalou a minha evolução e as minhas certezas.

segunda-feira, julho 06, 2009

Conceitos

Nas presentes eleições para os órgãos de Gestão da nossa Faculdade, embora integre modestamente uma das listas, tentei manter um distanciamento que se não completamente neutro, me ajudasse a perceber os princípios das duas listas.
Apreciei a elevação e o espírito de cada um dos documentos elaborados e, devo dize-lo, agradaram-me como académico e fizeram-me sentir orgulho numa Faculdade que mostrou dentro de si o poder de discutir e de se renovar.

Tenho, por outro lado, uma enorme admiração, respeito e até gratidão pelo Professor Manuel Antunes.

E se me dou ao trabalho de sair do tal distanciamento gostaria de destacar que o faço apenas para defesa dos princípios que penso devem nortear uma vivencia universitária e á consideração que tenho pelo autor do texto “razões para dar apoio prévio a um candidato a Director da Faculdade”. Texto esse que me motiva algumas reflexões
.
Começa e bem por destacar o papel importante que os actuais estatutos dão ao Director da Faculdade classificando mesmo os poderes que virá a ter como “praticamente ilimitados”. E como esses poderes são ilimitados, nada melhor do que ser o próprio a escolher os nomes que integram o colégio que o deve eleger e porventura “desnomear”.
Não posso obviamente estar de acordo com este princípio. Dados os amplos poderes de que dispõe o Director da Faculdade a função deste órgão colegial (Assembleia) deverá ser determinante e não se esgota na nomeação e eventual desnomeação como diz expressamente o autor do texto. É, em minha modesta opinião, o único órgão eleito e com poderes para avaliar, discutir, analisar e criticar a sua actuação.
A isto responde também o signatário da carta dizendo que há pessoas que não sabe a que mundo pertencem. Eu gostaria de sublinhar que há pessoas que pertencem a um mundo em se acredita num trabalho colegial, numa liderança que se possa criticar e influenciar. Considero mesmo o sistema colegial como a verdadeira essência do funcionamento universitário.
E aqui a escolha afigura-se-me simples. Ou escolhemos representantes em que se revejam as nossas posições, as nossas ideias o nosso espírito ou escolheriamos á partida um director para que ele próprio escolhesse os seus “representantes”.
A menor inocuidade democrática desta posição é ainda agravada quando a compara com as eleições legislativas. (“Os deputados à Assembleia da República também serão os fiscalizadores do Governo, e portanto do Primeiro-ministro, que daí resultarão.
E, no entanto, todos sabemos quem elabora a lista dos deputados e quem vai à
frente dela.”)

Tenho a veleidade de pensar, no mundo em que vivo, que:
1º Os bons exemplos devem ser seguidos
2º É das universidades, da sua capacidade para pensar em conjunto, para discutir, para antecipar, para investigar que pode nascer a liderança de processos políticos, democráticos, sociais e científicos.
Este abdicar desta importante vertente seminal, para importar exemplos da política geral do País, parece-me uma indesejável inversão de conceitos e de atitudes.

Mas ainda há uma frase que me motivaria uma discussão porventura demasiado académica para este momento:
… “eu não conheço nenhum movimento, nenhuma religião, nenhum programa político sem um líder. Como também não conheço nenhum líder político ou religioso sem um movimento, sem uma religião.”
Comentarei apenas que, em minha modesta opinião, há lideres que nascem do movimento que se gera, da tal antecipação que atrás falava como papel da universidade. Consagram em si as reflexões, o trabalho, as ambições e os princípios do movimento que encarnam.
Depois claro há os outros: que geram eles próprios os movimentos, que os controlam, fiscalizam e auto perpetuam. (Devo destacar que em minha opinião nenhum dos dois candidatos propostos se integra nesta definição).
No meu mundo universitário prefiro, talvez ingenuamente, os primeiros.

domingo, julho 05, 2009

A recordação

Cheguei agora mesmo da prova de homenagem. Uma oportunidade de relembrar o sorriso franco e aberto que aprendi a conhecer muito antes de ele ter entrado na adolescencia. Meio pesado, bonacheirão, que se tornava felino , frio e de eficácia incrível quando atirava.
- "ò Bebé explica-me como se parte aquele prato". E o puto ensinava-me repetidamente, com carinho e eterna paciência.
A última vez que o vi mostrava-me com orgulho uma enorme moto reluzente. Terá sido dessa moto também a sua última e derradeira visão.
Como gostava de acreditar que ele partiu apenas para o grande e eterno paraíso dos caçadores. Que a vida é injusta mas sábia...

quinta-feira, julho 02, 2009

Há dias...

Em que tudo corre ao contrario do planeado. Há situações que teimam em alterar-se. Ás vezes sucedem-se em "cluster" dificilmente explicáveis pelo acaso. Quase como um teste repetido á nossa resistencia á frustração. Penso que nessas alturas, melhor que a revolta, é deixar-se embalar pelas vagas continuas. E disfrutar do destino que nem sempre se pode controlar...