terça-feira, dezembro 23, 2008

Apenas Ficção (parte 3)

O tempo passou, cresceu, foi pai, mas não se fez homem. Como deve ser difícil lutar tendo apenas uma imagem de si próprio desvalorizada e ambígua em contraponto a outra que lhe serviu de forma.
Novamente errou nos propósitos e foi desajustado nos actos.
A imagem a combater era forte? Não tem importância: desvaloriza-se e colamos-lhe diagnósticos. Por alguma razão tirou um curso de medicina não?! Isso criaria problemas deontológicos da classe que ao longo de 6 gerações os seus avós foram defendendo? Resolve-se! Assume ter nascido de geração espontânea. É difícil aceitar a honestidade nos outros? Nada de grave, reforça os traços de personalidade e desconfia de tudo e todos. Sobretudo de formas. De desconfiança em desconfiança voltou ao tontinho inócuo a quem todos davam uma moeda para o café. Que foi onde tudo começou. E foi onde ele terminou.

sábado, abril 26, 2008

É tão ténue a linha: último post- amigos até ao fim














É tão ténue a linha entre o saber e o ter a certeza...entre a paixão e o ódio... entre a atitude defensiva e a vingança desenfreada...entre o querer e o ser...entre a miragem e a realidade...entre o deserto e a Cruz de Celas...
Continua a sorrir ainda que de olhos fechados....a tua miragem sobreviverá em nós. E tudo fará sentido ?!

sábado, abril 05, 2008

A Viagem


Era uma viagem longa e cansativa que aproveitou para ler uma revista ilustrada, para tricotar um pequeno casaco azul e para se deixar embalar nas suas recordações, nos seus anseios e no futuro ser que a despertava com lentos, repetidos e fluidos pontapés dentro do seu ventre.

As paragens eram múltiplas assim como os pregões das vendedoras que lhe chegavam distantes, proféticos e intervalados….Água fresca repetidamente anunciada…barricas de ovos moles…arrufadas de Coimbra…

Finalmente o longo túnel que conduzia á estação do Rossio

sexta-feira, abril 04, 2008

Primórdios


Setembro de 1947


O Outono adiava-se num fim de verão sereno e prolongado. De uma pequena estação de caminho de ferro, forrada com painéis de azulejos ingénuos, azuis e amarelos, escutava-se já um arfar rápido e ritmado que anunciava á distancia a chegada do comboio. No cais uma mulher jovem esperava.
Daí a pouco esse arfar tornou-se mais lento, forte e sincopado logo abafado por um ranger de ferros e gemido de travões. Ao ruído juntou-se um nevoeiro de fumo cortado pelos relampagos das faíscas que saiam das sofridas rodas metálicas e da chaminé.
O comboio para Lisboa tinha chegado.



Alguém observava de uma janela próxima a figura daquela mulher jovem. Costas largas e direitas, vestido azul e comprido, cabelo negro com o brilho da noite. Enquanto o revisor ajustava o pequeno banco de acesso á carruagem de 1ª, a imagem agora de perfil deu-lhe oportunidade de ver uns enormes olhos castanhos e atentos e o perfil agradável do rosto. E o estado de adiantada gravidez.

sábado, janeiro 12, 2008

O novo livro do MST

O mínimo que se pode dizer, e já não é pouco, é que aprendeu provavelmente com as críticas ao primeiro. Já não matou levianamente nenhum personagem principal. Nem mesmo na guerra em Espanha. Mutilou-o. Apenas o suficiente para não lhe impossibilitar a caça ás perdizes. ((A propósito MST: há 80 anos atrás a última coisa que os caçadores discutiriam na véspera da caça seriam os choques das espingardas! Não havia quick-chokes imagine! Coisas de escritor e caçador recente)

Deve-se dizer em abono da verdade que se tornou mais inventivo nas cenas eróticas e na descrição das mulheres.

Mas a pobreza psicológica das personagens( deverão ser as que conhece) e das descrições ! Uma desilusão. A profundidade do que tem para dar é pouca.

Ressalve-se contudo o esforço educativo que faz para explicar aos menos eruditos algumas palavras, incluindo no texto verdadeiras notas de rodapé. Estes factos envolvidos em lugares comuns constantes fazem dele um escritor não muito mais elaborado que o locutor do telejornal.
Que desperdício este grande defensor das liberdades individuais perder 2 anos da sua vida fechado em casa para "parir um rato"

Pré-reforma 2

Poder-se-á abdicar da emoção pelo risco, do protagonismo e do poder por um simples acto de vontade? Ou será uma racionalização antecipada do inexorável?

domingo, janeiro 06, 2008

Pre-reforma 1

Os dois carros aproximavam-se rapidamente da curva, lado a lado. O último a travar teria uma possibilidade de passar para a dianteira ou seguir em frente num despiste sem outras consequências que a perda da corrida e a ferida no orgulho.

O sobreiro cresceu ao longo de séculos. Outros mais velhos, que lhe faziam sombra foram pouco a pouco desaparecendo. Tornou-se então o ponto mais alto e de referencia naquela elevação de terreno.

O veado acabou a sua última luta dessa brama. Os adversários feridos e humilhados afastaram-se enquanto as corsas levianamente o seguiam até á profundidade da floresta.

Emoção do risco, protagonismo e poder. Inebriante, esmagador mas efémero.
Um dia o piloto travará mais cedo... o sobreiro ver-se-á ultrapassado em altura... e o veado encontrará o seu destino.