quarta-feira, março 08, 2017

8 de Março de 2016Coimbra

Certamente, e mesmo atendendo aos indicadores que recorrentemente surgem acerca da condição feminina, ainda se justificará a existência de um “dia da mulher”. A evolução do conceito de igualdade não tem tido, de facto, o reflexo social e até profissional que seria lógico e desejável.
Mas os aspectos que hoje gostava de realçar são os positivos. Os da diferença de género.
Já não tenho idade para usufruir do entusiasmo louco da paixão. Antes mesmo da RM funcional demonstrar o desassossego neuronal que provoca, já o intuía. Recordo-o como os estados mais lúcidos, vibrantes e conscientes que vivi.
Recordo também, desde a infância, a ternura de um olhar, a segurança de um contacto mesmo que epidérmico. O jogo da cumplicidade mais profunda. A atenção. O pormenor. A dádiva.
A antecipação. O desejo. O fundir de imaginários. O cheiro. O reencontro. A morte, o esquecimento e o renascer.
Tudo isto e muito mais devo às mulheres que passaram e estão presentes diariamente na minha vida. O meu obrigado por existirem. Se pudesse, para mim, todos os dias seriam “da mulher

terça-feira, fevereiro 14, 2017

Sempre admirei os escritores que eram capazes de escrever no feminino. Que para mim atingiu o expoente máximo com Erik Orsenna e a sua “ Madame Bâ” uma africana do Mali que com a ajuda do seu advogado procura obter um visto para ir viver em França.
Como a ignorância é muito sem vergonha aqui vai a minha tentativa de uma carta de uma personagem fictícia que tem muito de várias outras bem reais.
"Olá!

Fiquei a pensar se te escrevia ou não na sequência da visualização da tua produção no blog. Não li tudo. Não estou na sintonia. Estou noutro mundo.

Mas não me és indiferente e gostei de te ver a produzir no blog.
aA tua vertente de escritor é uma vertente que gosto e de quando em quando vou reler-te. 

Umas vezes, muitas vezes, em fases em que estou
 descompensada (as mais frequentes no passado) mas outras, e foi o caso, em que o meu interesse é quase teórico.
Gosto de te ler porque traduzes bem estados emocionais próximos do que vou vivendo e gosto de te ler. Na escrita és como um velho amigo. E, como passaste tantas fases, há sempre uma mensagem de esperança que gosto de identificar.
Gosto de te ler porque traduzes bem estados emocionais  próximos do que vou vivendo e gosto de te ler. Na escrita és como um velho amigo. E, como passate tantas fases, há sempre uma mensagem de esperança que gosto de identificar.

Nestes textos, e comecei pelo primeiro das verdes colinas de África, reconheci-te o pedantismo e a marca provinciana que nem o Liceu Francês nem o mundo tqueque tiveste depois e permitiu ultrapassar e não tive muita empatia É uma espécie de deslumbramento perante ti próprio que eu sinto nos textos e que não tenho paciência. O senhor e os outros. Não são indígenas, mas estão lá perto. Olham-se com ternura como os pobrezinhos no Estado Novo.

Enfim, também pode ser um problema geracional, finalmente tens quase 70 anos e parece que a idade marca e nos distancia do cabelo comprido e os óculos de intelectual.

Não sou muito próxima do ambiente de caça, não lhe encontro mesmo qualquer sentido como actividadeatividade (turística? desportiva? hobby?) logo, saltei muitas linhas e apenas percebi o sentimento de o tempo imobilizado. É uma experiência que, por vezes, também atravesso. Compreendo. eE não é só por a terra ser Zulu. 

daDa caça, caça, passaste para o torgaTorga e é interessante porque ele introduz a dimensão dos afectosafetos na escrita e leva aos textos seguintes sobre a família, as raízes, a autoridade, o pai e a mãe. O feminino e o masculino em ti. Gostei. 

Os textos sobre o Torga são a antecâmara dos textos nucleares sobre a família.

Muito singular. Por vezes, quanto te leio sinto-te de uma transparência imensa, que só a escrita revela
..
...
Na vida real estás muito armadilhado. São muitos anos a vestir
 personagens. 

Não tenho ideia que seja uma mais valia conhecer-te pessoalmente.
Mas é a minha experiência, ,é só uma opinião e não falamos na dimensão de falar desde 2010. Fará sete anos um dia destes. talvez um ciclo que se feche. O anterior foi de duas vezes sete anos. Não deixa de ser singular.

Voltando ao Torga percebo, mas já sabia, que a tua relação com o Torga foi muito especial. Ou foi com o Adolfo que te deste?
Pensei que ias contar a história da última perdiz. Gostei que fossem outras.
Pensei que ias contar a história da última perdiz. Gostei que fossem outras. 

Surpreendeu-me escreveres sobre o teu pai.  
 
Sabes que, em todas as inúmeras conversas que tivemos, nunca me falaste do teu pai? 

Eu
,actualmente, atualmente vivo como se a minha mãe tivesse morrido, mesmo quando falo com ela. Se me estivesse a conhecer agora não te falaria da minha mãe. 

Nem do meu ex-marido. São duas pessoas que fiz morrer no meu quotidiano. Não existem o que me permite guardar as melhores memórias delas.
 

Logo, nestes pensamentos e descobertas sobre o papel dos presentes e ausentes importantes nas nossas vidas acabei por pensar em tuti e no papel da família no teu discurso, numa relação a dois e em ti próprio.
Por vezes, analisava e pensava que a tua personalidade border-line quando a leitura do teu comportamento me levava até aí, poderia enraizar-se, numa perspetiva próxima da psicanálise, nessa teia de afetos com as figuras parentais.
São o nosso chão. Não o escolhemos.
Por vezes, analisava e pensava que a tua personalidade border-line quando a leitura  do teu comportamento me levava até aí, poderia enraizar-se, numa perspectiva próxima da psicanálise, nessa teia de afectos com as figuras parentais.
São o nosso chão. Não o escolhemos.

Assim achei interessante e li com ternura o teu pai na tua vida, e essa leitura do passado de conciliação e amor e, principalmente, de te sentires testemunho da geração anterior.
penso
Penso que um dia também irás escrever sobre os teus filhos, mesmo o Gil e na Carlota que referes. Será um caminho.
Já falas com o teu filho Gil?

enfimEnfim, foi apenas uma boa companhia nesta tarde de sábado meem que me enrolo em casa no doce não fazer nada.

Não me és indiferente e, como te disse, na escrita, um velho amigo.

Um abraço e continua.


Ainda Roth, epístolas a mulheres e eu

Num jantar agradável, na semana passada, tive oportunidade de rever um velho companheiro de lides médicas e universitárias, hoje um escritor com alguns livros, um deles muito falado e com circulação muito aceitável para o nosso meio.
Falou-me de um projecto para um novo livro que se chamaria, ainda provisoriamente, “Cartas às minhas amigas” (Dada a imagem de “guru” que ele cultiva sugeri-lhe de imediato uma mudança para “Epístolas às mulheres”, o que, apercebi-me, lhe despertou um breve olhar condescendente).
Era sobre mulheres certamente. A minha surpresa foi completa já que, apesar da proximidade que tivemos, nunca lhe conheci, neste tema, um gosto pronunciado nem uma praxis fora da mediania. Também não precisava. É um intelectual.
E dei comigo a pensar que, à medida que a idade avança, muito gostam os homens de falar de mulheres! Uns, como um profissional de caça que me acompanhava quando as pernas subiam aqueles montes e serranias de granito, com a aspresa da urze em flor (- “Dei-lhe 3 e a gaja ainda estava a pedir mais”). Outros, como um enfermeiro chefe meu conhecido, com uma compreensão mais elaborada, presumidamente cabalística do que pensam ser a mulher (-“ Vestiu-se hoje de amarelo porque ontem insinuei que era a cor mais sexy! Está rendida, agora vamos ver se não me falta a coragem para o próximo passo”).
Outros ainda que, passivos, olham para as jovens que se renovam ano a ano sob os seus olhos. Mas têm ainda assim que dizer alguma coisa, que se não lhes vai no íntimo, pelo menos os esconjura. (“Ai se fosse no meu tempo!”).
Outros não aceitam esta desistência nem a recordação de fingimento contemplativo. Vestem-se de azul, enfiam, sem dificuldade de maior, um emblema clubístico cravejado de diamantes na lapela, importam o “artigo” periodicamente do Brasil e quando abusam da cor e dos químicos fazem breves passagens VIP pelos sobre lotados serviços de urgência.
Mas era sobretudo de certos intelectuais que queria falar. Escravos inventores de histórias, vão buscar ao passado recordações e mulheres. Moldam-nas aos seus conhecimentos e ás suas possibilidades actuais sem se importarem com a veracidade do produto final, da(s) personagem(s), e com total desprezo pelo imaginário feminino que nunca quiseram antever. Constroem situações e palavras que nunca poderiam acontecer. Uns, totalmente desprovidos de crítica ( lembram-se das “memórias das minhas putas tristes”?), não passam de uma ruína latejante do seu brilhante passado. Outros ( e lá vem o vosso querido Roth) ainda tem uns laivos de ironia (provavelmente tão rara como as suas erecções) que nos reconciliam momentaneamente com ele.
“For many dark hours I have been thinking about this…” diria na sua juventude alguém que recentemente, muitos anos depois, glosou divertidamente com este assunto em “things have changed” cujo vídeo-clip recomendo.
Algo julgo ter aprendido na literatura, na consulta, na música e na vida. Não vale a pena teorizar sobre o imaginário feminino. A única maneira de o antevermos é criar as condições para isso e pedir-lhes a elas para nos explicarem. Talvez aí a literatura, a consulta, a música e a vida fossem bem diferentes. Acabariam, isso seguramente, as epístolas paternalistas ás mulheres.

quarta-feira, janeiro 11, 2017


A opção e a consequência

Serei provavelmente petulante. No entanto muitos dos meus amigos são simples e autênticos no seu ser.
Serei porventura elitista. Mas gosto de aprender e ensinar sem limites nem preconceitos.
Sinto-me bem com a modéstia e a naturalidade mas mal com mediocridade dissimulada, a cultura arrogante e a artificialidade maltrapilha.
Serei pouco ortodoxo na maneira de vestir. Mas abomino o mau gosto e a ostentação.
Compreendo, persigo e favoreço a valorização pessoal. Mas não a confundo com espírito de missão e muito menos com concessões facilitístas e  ilusão de fancaria.
Vivo em Coimbra mas sou do Porto, de Lisboa e de Ovar. Assumo mais facilmente o provincianismo do que a urbanidade oca e de aparências.

Por isso custam-me certas escolhas de pessoas que não nos são indiferentes. Mas cada um gosta do que antevê.  Distorce como lhe aprouver. Logra-se como necessita.

Gostos não se discutem...nem mesmo se lamentam.  Redefinem, isso sim, às vezes sem retorno, quem assim opta...