terça-feira, maio 10, 2016

As verdes colinas de África
Hemingway poderia ter sido um escritor influente na formação do meu mundo. Era caçador. Aventureiro. Ensinou-me que há ocasiões em que a terra treme para as mulheres que amamos. Tomou partido pela República na guerra civil espanhola. “Por quem os sinos dobram”, lido numa adolescência muito precoce, evocava uma liberdade e uma bravura a que não tínhamos acesso. Tal como a coca-cola e por isso se tornavam apetecíveis. Depois, com o alongar da vida, aprendemos que há liberdade e sabores muito para além das matrizes e dos lugares comuns. Que nem sempre agradam mas que não desiludem porque não se espera que sejam sempre monótonos e iguais. Mas, concedo. Foi para mim um livro importante mas datado na minha cronologia.
Recordo também o dia em que comprei as “verdes colinas de África”. O aspecto da capa. A sua cor e o seu cheiro. E antecipei uma leitura no mínimo deleitada. A desilusão começou nas primeiras páginas. A constante propaganda da sua erudição, citando clássicos e contemporâneos normalmente para os denegrir, gerou-me certo desconforto e, ainda mais irritante, interrompia inutilmente a fluência das aventuras africanas que eu procurava. Mas os últimos rombos vieram da relação com os seus outros personagens. A companheira , creio que se chamava Mammy, era uma espécie de enfermeira e empregada para todo o serviço e dificilmente sentiria alguma vibração a não ser que houvesse algum fenómeno sísmico, que de resto são pouco comuns naquelas zonas interiores de África. Mas o pior era a relação com o seu companheiro de caça. Um misto de competição e inveja. A inveja é um assunto a dois e se incluísse a Mammy seria ciúme. E isso ficaria entre eles e com o romance. O que não seria grave nem sequer original. E também nada me move contra a competitividade em quase todos os campos. O que me perturbou foi a sua transferência para a caça, em que cada momento tem a sua existência única e irrepetível. É afinal de morte que falamos. Massifica-la numa competição é a verdadeira antítese do espírito cinegético que nunca será um desporto como os outros. É a sua negação histórica, social e psicológica. No meio de tantos escritores que cita esqueceu-se de ler alguns mais antigos franceses por exemplo, com os seus códigos de conduta que excluiriam vergonhosamente, logo à partida, o Hemingway dos seu grupos. Ou Henrique Galvão e o seu amigo Pratas nos planaltos do sul de Angola. Exemplos de amizade sem limites, confiança e admiração mas sobretudo um entendimento, respeito e amor pela natureza. (havia ainda outro amigo cujo nome não recordo: estou a citar de memória e isso deve-se à minha relação com os livros que um dia, se vier a propósito e tiver coragem, explicarei).
Mas pelo menos serviu o livro para aprender que havia colinas verdes em África. Normalmente associamo-la a deserto, floresta e savana. E neste ponto específico Hemingway tem razão. Há em África colinas verdes de uma beleza impar. Colinas dobradas e multiplicadas ao infinito como num jogo de espelhos. E de um verde de envergonhar os Açores ou a Irlanda.
Tive ocasião de as ver a sudoeste de Durban. Onde de resto cumpri uma promessa e considerei concluído o último dia da criação do mundo, como contarei se calhar em caminho e tiver oportunidade.

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