sexta-feira, janeiro 02, 2009

Sai-se Devagar do Deserto

Numa imensidão de areia em que nem os horizontes têm fim.
Pouco interessa como aí se chegou. Pela conquista metro a metro de uma longa e deliberada estrada e caminhos? Por uma sucessão de erros e desvios? Por defesa de princípios talvez ultrapassados? Por uma queda vertiginosa?
Qualquer das hipóteses é possível assim como todas elas. De lamentar mesmo é os que não sabem como lá foram parar.

E depois de lá estar, que emoções provoca o deserto? Silencio, solidão. Mas também uma liberdade sem limites, a superação e a sobrevivência.

Mas qualquer que seja o motivo que aí nos transportou e as sensações que nos provoca há um dia em que se começa a procurar o caminho de saída.
Alguns voltam cautelosos, quiçá arrependidos, pelo mesmo caminho que aí os conduziu. Muitos para descobrir que o regresso é apenas a primeira etapa de um círculo que obsessiva e insatisfatóriamente vão percorrer o resto da vida.

Mas já que estamos no deserto imaginemos que procuramos outra saída. Seguimos novos trilhos e novas pistas. Algumas vão desaparecendo de baixo dos nossos pés. Ás vezes parece que lenta e deliberadamente. Noutras o final é brusco e quase agressivo. Outras vão-se desviando e tomando rumos para fora de nós próprios e da rosa dos ventos.

Mas um dia encontraremos uma pista que conduz, simples e quase distraída, a algo que parece ser o fim de um leito seco de um riacho que há muito se perdeu no deserto. Seria irónico que a nossa saída começasse precisamente onde um dia se perdeu a água e a vida.
Vamos seguindo essa suspeita de leito seco que a principio parece tão ténue como a nossa convicção. Depois torna-se mais definido quase como um desejo. Em seguida surge o primeiro arbusto, ainda seco, talvez como a esperança no seu renascimento. A partir dai o leito já é marcado pela presença de pedras que um dia terão rolado das montanhas e aí se quedaram como a tenacidade.As pedras cada vez mais juntas dão mais firmeza aos nossos passos e caminhamos agora num equilíbrio instável. E ao longe aparece a primeira árvore cinzenta e indefinida. que depois se transforma num conjunto aleatório e espaçado. Aí começamos a ter certezas. Estamos de facto num caminho de saída.
Simultaneamente aparece-nos um nómada cuja tribo não conhecemos e as montanhas longínquas que limitam o deserto. O nómada não nos compreende mas a sua presença indica-nos que estamos num caminho que nunca trilhamos. O anel de montanhas abre-nos um vale como porta de saída.
Chegamos ao verdadeiro momento de decisão e percebemos que até aí vivemos apenas para a procura. Entramos nessa porta que se nos abre para fora do deserto mas para algo que desconhecemos? Ou retrocedemos prudentemente (?!)
Imaginemos que aceitamos essa porta, essa nova vida e o desafio. As árvores cinzentas entre cruzam-se agora com o verde ainda envergonhado das primeiras palmeiras. Que as vão progressivamente suplantando em número. É já visível a neve no cimo das montanhas. E não sabemos se o arrepio súbito que sentimos é devido ás longas sombras que sobre nós a montanha projecta ou se é um dos últimos apelos do deserto que nos chama para o seu calor.
No palmeiral cada vez mais denso ouviu-se agora mesmo o o barulho ensurdecedor de um bater de asas da primeira ave e a aldeia materializa-se a partir da terra vermelha.

Daí o percurso é fácil: alcatrão e movimento que recebemos sem tentar interpretar.

Mas para a libertação do feitiço do deserto é preciso um voo. Seja ele o avião para Lisboa seja um golpe de asa poderoso e decisivo. Para sair dele mas mesmo assim ficar mais próximos de nós, com que no seu seio nos reconciliamos.
Do deserto sai-se devagar...

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